quarta-feira, 23 de novembro de 2011

P(*)EMAS C(*)M N(*)TAS DE R(*)DAPÉ - 22


onda após onda após onda
o barco ainda flutua
ao sabor do acaso
apesar dos pesares
ao sabor das correntes
sob a mesma lua

(*) Desde janeiro, tenho feito twitcams mensais. Sempre que possível, no dia 11. Resolvi, a partir de novembro, tocar, nestas oportunidades, álbuns inteiros. Temos encontro marcado no próximo ano e meio, ok? Eu sei, uma twitcam, com a estética estática de câmera-de-segurança-de-loja-de-conveniência tem tudo para não ser levada a sério. Ainda por cima é de graça! Mas...

...1) As melhores coisas são de graça, né? O sorriso daquela pessoa, o pôr do sol, uma lufada de ar puro.

...2) Eu levo tudo a sério. Podem me acusar disto. Mesmo que, sem linha, uma agulha possa surfar mais livremente pelo tecido, eu prefiro o comprometimento da costura. Mais do que encarar as consequências: contar com as consequências. Estranho que o ditado "não dar ponto sem nó" geralmente seja usado de forma pejorativa. "Costurar sem linha" me parece um diagnóstico apurado dos tempos que correm. Mas este não é um ditado. Ainda.

...3) A estética de câmera parada num tripé é atemporal. Tem uma razão de ser: fruto da solidão de quem está emitindo, ela reforça o elo com quem esta captando. Os videos que disponibilizei quando estava construindo o NOVOS HORIZONTES eram assim. Durante a construção do FILMES DE GUERRA, CANÇÕES DE AMOR, filmei muitas horas de ensaio, na casa do Maltz, em Ipanema, assim, câmera parada num tripé. Continuam mais atuais do que seriam se tivessem o filtro e a interferência de uma mão escolhendo ângulos, cortes e enquadramentos.

(*) FILMES DE GUERRA, CANÇÕES DE AMOR foi o disco que abriu esta série de twitcams temáticas. Bom sentir que ele continua vivo. Sobreviveu ao vinil, k7 e VHS que lhes serviram de suporte quando lançado e já morreram. Um pouco mais difícil é definir quando ele nasceu.

Como saber como nasceu este disco para cada um de vocês? Num LP do pai? No computador do irmão mais novo? No rádio de um táxi? Teria nascido quando Augustinho trouxe, de Nova Iorque, as guitarras Gibson 175, 335 e 350? Quando Maltz aceitou, corajosamente, trabalhar só com percussão? Quando Wagner Tiso fez arranjos a partir do meu jeito sem jeito de tocar piano?

(*) FILMES DE GUERRA, CANÇÕES DE AMOR pode ter nascido no palco de um mega-festival enquanto eu tocava Parabólica num violão de nylon abrindo o show do Nirvana e de uma outra banda da qual não lembro o nome e que rezava pela cartilha da macumba-pra-turista-grunge (lembrei o nome: L7. Ou não? Ah, deixa pra lá...).

Me lembro de sentir uma irresistível vontade de rapar o cabelo. Budisticamente. Me desfazer dos acessórios, dos baixos pintados, das entrevistas inteligentes, dos refrões cantados em coro. Fases. Vão e voltam. Nada é absoluto. Absolutamente nada.

Coloquei todo o equipamento que cabia no meu carro (ah, que delícia não lembrar qual era o carro! Ferramentas são só ferramentas!) e subi a serra ouvindo Tuck Andress. Por coincidência, eu tinha lido,  naqueles dias, uma matéria onde o grande guitarrisra destrinchava, tecnicamente, seu som de guitarra. Chegando em Gramado, a primeira coisa que fiz foi ligar de um orelhão (ah, que delícia viver sem celular. Ah que delícia ter celular...) para o Augustinho pedindo para ele sacar o som do cara.

Montei um pequeno estúdio no quarto da Clara. Ela dormia com a Adri enquanto eu gravava a demo do disco (ah, que momentos maravilhosos passei limpando com álcool a cabeça de som de um gravador Tascam que gravava 4 canais numa fita K7! Depois disso, que graça posso ver num Pro Tools?).

(*) Mudei muita coisa nas canções. Não só arranjos: letras e melodias também. No dia da gravação, o público demorava um pouco para entender qual e como era a música. Até hoje, quando ouço o disco, sinto banda e platéia negociando andamentos e vibes (com o Pouca Vogal, a situação se repetiu: um disco ao vivo num formato diferente. Mas já havia a www. O público pôde acompanhar a construção; no show, já sabiam do que se tratava).

Por conceito, os maiores hits que tínhamos na época ficaram de fora do disco. Foi a Gibson 335, única  guitarra que levei para a serra gaúcha, que escolheu o repertório. Budisticamete. A gravadora chiou, claro. Mas nada que pudesse rivalizar com nossa certeza de que era a coisa a fazer.

(*) Acho que passei mais tempo desperdiçando papel manteiga no desenho do f-hole para a capa do disco do que ensaiando as músicas. Tentei usar, como fundo, a madeira de algum instrumento. Nada ficava bacana. Acabei usando a madeira da porta do estúdio. Talvez seja madeira fake, fórmica. Mas é  meu projeto gráfico preferido.

(*) Há algum tempo encasquetei com a ideia de que as coisas nascem como estrelas ao contrário. Em vez de um centro emitindo luz, raios que se encontram na hora H, no dia D, no ponto... G? Não. No "point of no return" da existência.

Não precisa me corrigir quem sabe, como eu, que, na vida real, algumas estrelas não têm luz própria. Elas refletem o sol, eu sei. Minha analogia foi precária. Elas geralmente são. Mas "Estrelas ao Contrário" era algo que eu precisava dizer.

(*) Que fim levaram as guitarras? A 335 troquei com Maltz por uma bateria eletrônica Roland TD7.  Algum tempo depois, dei ela pro Adal. A 350  troquei com Lulú Santos. Ele me deu uma Gibson Lucille e um violão Yamaha de XII cordas. Também dei os dois instrumentos. O violão, para nosso jardineiro. Só acha que fiz máu negócio quem não viu o sorriso dele. Aquele violão, que já esteve nos maiores palcos do Brasil, hoje está numa igreja da periferia de POA. Quem é capaz de dizer onde ele soa melhor?

(*) Espero que o FILMES DE GUERRA, CANÇÕES DE AMOR continue nascendo por muito tempo.

(*) Um brinde a todos que me acompanham no BloGessinger e nas twitcams


Um abraço a todos os profissionais e amigos envolvidos no FILMES DE GUERRA, CANÇÕES DE AMOR. De modo especial, ao pessoal da ShowBrás e aos companheiros de estrada Maltz e Licks. O tempo provou que fomos bravos.


8nov2011

P(*)EMAS C(*)M N(*)TAS DE R(*)DAPÉ - 21


pergunte ao pó
desça ao porão
siga aquele carro
ou as pegadas que eu deixei
pergunte ao pó
por onde andei
há um mapa dos meus passos
nos pedaços que eu deixei

(*) Quando vejo mapas mostrando como o Homo Sapiens se espalhou pelo planeta, saindo da África, sempre penso: taí uma caminhadinha que eu gostaria de fazer! A vontade passa quando lembro do sol que eu teria que aguentar.

Adoro caminhar, ver o tempo imprimir, na lona dos meus tênis, o desenho dos meus pés. Como uma chapa de raio X. Olho para baixo e vejo um par de sudários andando por aí. Como um polegar na carteira de identidade, eu carimbo pegadas no chão de Porto Alegre. Onde o solo é mais propício. Quando asfalto, basalto e paralelepípedos dão chance à terra. Assim caminha a humanidade, marcando o chão e sendo marcada por ele. Assim caminho e assobio: "ascensão e queda são dois lados da mesma moeda".

(*) Decidi não ter mais carro. Não pense que é um ato heróico, de consciência ambiental. Confesso que  vivo pedindo emprestado o trator da minha mulher ou o fusquinha da minha filha. Graças a Deus, de segunda à quinta, consigo levar minha vida relativamente independente de horários, dá pra fazer quase tudo a pé. Nos shows dos fins de semana, ando muito mais de ônibus e avião do que de carro. 

Ser um pedestre desperta outras sensibilidades. Quando falam sobre automóveis, geralmente as pessoas analisam a potência do motor, o conforto, o quanto de inveja causará no vizinho de garagem (apesar de poucos admitirem isso). O que eu mais prezo num automóvel são as luzes que piscam avisando se o cara vai dobrar à direita ou à esquerda. Me interessa, também, o som  das buzinas. São acessórios para que o carro se comunique. Com civilidade, pois ser dono de um carro não significa ser dono das ruas e estradas.

Quando falam de smartphones, as pessoas geralmente analisam a velocidade do processador, a variedade dos aplicativos. Eu reclamo da pouca visibilidade da tela ao sol. E acho incrível que o touchscreen  funcione mesmo na chuva. É o ponto de vista de quem caminha ao sol e na chuva. Diferente do casulo sobre rodas.

(*) Caminhando, a gente saca nuances que passam despercebidas quando estamos motorizados. Num mesmo trajeto, conforme a hora do dia, a sombra estará neste o naquele lado da rua. Conforme a estação do ano, será melhor andar ao sol ou à sombra. Se queremos uma caminhada mais introspectiva, melhor respeitar as curvas de nível do terreno, evitar subidas e descidas. Se ganhar tempo é a prioridade, melhor enfrentar as lombas. E o suor.

Caminhando, esbaforido no verão ou enregelado no inverno, é comum alguém me reconhecer, parar o carro e perguntar admirado: "E aí, caminhando ?!?". Nunca me ocorreu ir pro meio da rua, parar o tráfego e gritar "E aí, andando de carro ?!?". Sensibilidades diferentes.

(*) Sou fã das leis do trânsito. É lindo que alguém tenha estudado o fluxo e decidido que esta rua só deve ir, aquela só deve voltar, aqui não dá pra dobrar, lá é obrigatório parar. Parecem limites, mas, na verdade, são os alicerces de uma liberdade maior. Se cada um pudesse ir pro lado que quisesse, fazendo o caminho mais curto entre dois pontos, a cidade pararia num engarrafamento insolúvel. As regras do trânsito são, para mim, a melhor tradução do dito bíblico "disciplina é liberdade".

Ok, ok, talvez eu tenha esta boa vontade porque nós, pedestres, podemos andar para o lado que quisermos. Na verdade, também temos nossos limites: não pense em pular aquele muro para atalhar, há um cão estressado te esperando no outro lado!

(*) Moro numa cidade que anda e caga para quem anda. O motorista não respeita a faixa, o condomínio não respeita a calçada, o dono do cachorro não respeita a higiene.

À noite, sensores de movimento acendem as luzes dos condomínios quando passo. Deixo para trás um rastro de luz inútil. Ilhas de claridade desabitada. Sou apenas um vulto suspeito para motoristas que, assustados, tentam entrar na garagem antes mesmo do portão abrir. Calma, meu senhor, estou só caminhando, não me interesso por seu carro, pode esperar os guardas do castelo baixarem a ponte sobre o fosso dos jacarés.

Havia terrenos baldios. Espaço de transição entre bairros, cidades, pessoas. Havia jardins, transição entre espaços público e privado. Estão todos cercados. Muros e grades. O que é meu, é meu; o que não é meu não é de niguém. Não tome este monte de verbos no pretérito como melancolia saudosista. Só estou vendo as flores crescerem. Com seus espinhos.

 (*) Ops, peraí... desde o dia em que escrevi estes parágrafos até a revisão de hoje, alguns motoristas pararam na faixa de pedestre para que eu atravessasse! Também vi pessoas levando sacos plásticos junto à coleira dos seus cães! Até reparos em uma calçada eu testemunhei! E agora? Deleto meu comentário anterior ou ignoro os fatos novos?

Do ponto de vista estatístico, minha amostragem é irrelevante. Eu teria que passar anos andando pelas ruas para que minhas observações, seja do descaso por calçadas e pedestres seja da educação de motoristas e donos de cães, formassem um número matematicamente representativo.

A vida é assim, não podemos nos basear na matemática das nossas vivências. Ou você acha que conhecerá uma amostragem significativa de pretendentes antes de decidir ficar com alguém? Pode tirar o cavalinho da chuva. Na hora do salto, quando a ciência nos deixa na mão, vale muito o instinto.

Mas afinal, com qual das minhas experiências ficarei? Bárbarie ou civilização? As duas. A primeira para me indignar e a segunda para criar alguma esperança.

(*) O passo é uma queda evitada por outro passo.

por onde anda você?
um abraço, esteja onde estiver
como a sombra dos meus passos
abraça o Chevrolet Bel Air



Post-scriptum:
aonde você vai?
eu vou ficar
tentando abraçar
o carro que sai



 01nov2011

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